Origem dos nomes dos personagens

Sou daqueles que acham que nenhum detalhe, numa história, seja em qual mídia for (literatura, cinema, teatro ou HQ), pode ser por acaso. Tudo deve ter um porquê.
É com essa premissa em mente que eu batizo meus personagens. Os principais, ao menos.
Bom, vamos lá. Comecemos por aquele no qual eu me "ponho" mais: Sotero.
Por que Sotero? Donde, raios, veio esse nome?
É de origem grega (o que não é de origem grega na nossa cultura, hein?). Quer dizer, se não me engano, "aquele que salva, salvador". É por isso que, de quem nasce em Salvador, na Bahia, diz-se que é um soteropolitano. O palavrão tem sua razão de ser. O "sotero" já tá explicado. E o "politano" vem de "Pólis" (palavra que originou a nossa famigerada palavrinha "política"), também do grego, que quer dizer cidade. Daí, "soteropolitano", "aquele que é da cidade de Salvador."
E eu sou soteropolitano (embora viva em São Paulo desde os meus 02 ou 03 anos de idade). Daí, Sotero, já que ele é o heroi principal (ou seria o "anti-heroi"?).

Heloísa, Heloísa, Heloísa...
É preciso, antes de mais nada, confessar que ela é uma homenagem a um grande amor que me marcou a vida. Louise é o seu nome. O grande escritor argetino Borges disse que Dante Alighieri escreveu o monumental "A Divina Comédia" para, ao menos na ficção, ficar com sua amada imortal Beatriz, já que a vida real lhe negou essa bênção. Talvez eu esteja produzindo as "Crônicas de Piápolis", entre outras coisas, para, na ficção, ficar próximo à minha "beatriz", já que a vida real também me disse não...
Mas Heloísa não tem só esse "porquê". Heloísa foi uma admirável mulher que viveu na Europa no século XIII, se não me engano. Era discípula dum dos maiores filósofos da época, Pedro Abelardo. Admirável, entre outras coisas, era o amor de Heloísa ao saber, à Filosofia (ainda mais se pensarmos que, na época, nem mesmo a nobreza europeia sabia ler!). O amor que Abelardo e Heloísa votavam à Filosofia transformou-se no amor que um votava ao outro. Mas a história teve um fim trágico. Em outra ocasião, se vocês quiserem, eu conto essa história.
E assim como Heloísa, e assim como a minha personagem Heloísa, Louise também é uma pessoa para quem a vida pode ser uma maravilhosa chance de se aprender tantas coisas. Numa época de pragmatismo cego, em que as pessoas só querem aprender aquilo que dá dinheiro, amar o saber por si só é uma poética ousadia. Foi uma das coisas que me levaram a me apaixonar por Louise.

Vamos ao Silas.
Sob a rua Consolação, próxima à esquina com a Av. Paulista, há um túnel onde funciona (ou funcionava) um espaço interessante com um sebo, área para exposição de quadros e até um palco improvisado onde já vi alguns grupos se apresentarem. Um aparelho de som sempre nos presenteava com o melhor da MPB ou do jazz.
Eu procurava, uns anos atrás, livros sobre meu poeta preferido, Fernando Pessoa. E na ocasião fui atendido por um senhor muito simpático que, além de me atender muito bem, me deu um desconto que eu sequer havia cogitado de pedir. Não fosse a merda da minha timidez, da minha "fobia social" (como uma psicóloga me dissera certa vez), uma interessante amizade poderia ter nascido da ocasião referida.
Os trajes despojados de um velho beatnik, o bigode e a cabeça calva tornavam sua figura ainda mais interessante.
O nome desse sujeito?
Silas.

O nome "Cao" foi o que mais se aproximou de uma escolha aleatória, casual.
É tirado do prenome do cineasta Cao Hamburger que, entre outros trabalhos, dirigiu "O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias" e "Xingu" (atualmente em cartaz).
Desde o início, quando ouvi falar do cara pela primeira vez, o nome me chamou a atenção. Penso em "Caos", sem o "s". Apropriado para um artista anárquico, multimídia antes mesmo dessa palavra cair no domínio público.
Está no "site" do "Chroma" que o meu Cao é saxofonista. Mas eu pretendo mostrar nas próximas histórias que, se hoje ele se limita a dar aulas de sax, nos anos 80 ele viveu o auge da sua carreira, quando era músico, escrevia poemas e fazia parte de um grupo experimental de teatro. Tudo isso ao mesmo tempo.
Para compor sua figura, me inspirei no também multimía artista Jorge Mautner (cuja obra, que inclui música e literatura, ainda vou conhecer a fundo) e também num grupo de teatro experimental surgido no finalzinho dos anos 70, "Asdrúbal Trouxe o Trombone" cujos integrantes eram artistas pouco conhecidos e queridos do público. Brincadeira! Dele faziam parte Luiz Fernando Guimarães, Regina Casé, Evandro Mesquita entre outros.

Darci. Darci Archanjo dos Santos.
No seu nome, três homenagens. A dois admiráveis intelectuais e a um fantástico personagem da nossa literatura.
Darci Ribeiro, grande antropólogo, grande figura. Vi sua entrevista uma vez no "Roda Viva" da TV Cultura e fiquei encantado com sua figura. Ele, apesar de culto, apesar de ter uma obra importante, não lembra nada o intelectual pedante que, na sua torre de marfim, devora mil autores mas não conhece nada desse negócio complicado chamado vida. "O Povo Brasileiro", pela Cia. das Letras, é leitura obrigatória para quem quer compreender esse outro negócio complicado chamado Brasil.
Milton Santos. Ainda preciso conhecer sua obra. Como um negro de origem pobre, baiano como eu, se torna uma das maiores autoridades mundiais em Geografia, com vários livros publicados a respeito dos problemas sociais causados pela Globalização e, ainda por cima, detentor de vários títulos "Honoris Causa" concedidos por algumas das principais universidades do mundo? Pois é. Não tem como não homenagear um homem assim.
Pedro Archanjo. Personagem de Jorge Amado do maravilhoso "Tenda dos Milagres". Mulato pobre que, numa sociedade elitista e racista, prova que talento e inteligência não é privilégio nem de raça nem de classe social. Recomendo a leitura do romance do grande escritor baiano.

Miles. Meu querido Miles.
Ele foi introduzido na história por sugestão da minha mãe.
Assim como o dos quadrinhos, o Miles de verdade foi encontrado abandonado na rua.
Assustado, machucado. Mas simpático. Desde então, ele tem iluminado a minha vida. Não me envergonho de dizer: amo como a um verdadeiro filho!
Seu nome verdadeiro é Axé. Mas, como meu trabalho faz referências e homenagens a tudo quanto é obra e artista, pensei em rebatizá-lo na história com o nome de alguém do mundo da música.
Os três artistas que pensei de início: Michael Jackson, Jim Morrison, Miles Davis. Três escolas musicais diferentes, três artistas geniais.
Optei pelo Miles Davis, negro, trompetista, gênio difícil, genial. Sua arrogância, curiosamente, dava-lhe um porte elegante. Seu álbum "Kind of Blue" é uma das coisas mais lindas que eu já conheci em toda a minha vida.
Pesou o fato de que, dentre os três, é o menos conhecido. Além do mais, o som do "Miles" em seu nome (que se pronuncia, mais ou menos, "Miles") lembra mais o miado dum gato. Que besta, né?

Parabéns, Alexandre! A riqueza do seu trabalho se revela em cada um destes detalhes. ^_^

Quanto mais os personagens se assemelham a pessoas que conhecemos ou admiramos, mais verdadeiros e autênticos eles se tornam e maior a chance do leitor se identificar com eles! ^_^

Aproveitei a leitura deste tópico e fiz uma visita ao seu site. De todos os seus personagens, o meu favorito até agora é o Cao, pelo fato dele tocar saxofone, que é o meu instrumento musical preferido. Mas todos os personagens são ótimos e gostei de todos! ^_^

Bjns