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    A Ousadia de Batman

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    Alexandre Garcia da Silva


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    Mensagem  Alexandre Garcia da Silva Qui Out 04, 2012 4:35 am

    A memória às vezes brinca de ser criativa. Por isso, é traiçoeira. Com essa advertência, peço de cara desculpas por eventuais informações falsas que eu postar aqui.
    Anos atrás li um interessante livro do escritor Colin Wilson. "O Oculto". Uma história da presença do ocultismo na nossa cultura e na nossa história. Ao comentar o período da Revolução Francesa (pois, na corte do rei Luis XVI brilhava um mago, um certo Cagliostro, iluminado para uns, charlatão para outros), Wilson relata um episódio bárbaro: um plebeu revolucionário teria levado umas crianças, todas filhas de nobres, para um lugar ermo. Lá, ele as matou friamente esmagando-lhe as frágeis cabeças com uma marreta!
    Não sei se a história é verdadeira. Creio que seja. Creio que muitos episódios assim tiveram lugar nesse evento histórico que muitos, de forma romântica, colocam como um divisor de águas na História da humanidade. Que muitos louvam como o momento em que o povo, finalmente, livrou-se da opressão duma nobreza parasitária. Que muitos lembram como o fato que colocou em primeiro plano, pela primeira vez, os direitos do homem e do cidadão.
    E claro que tudo isso é verdadeiro. Mas é romântico, também.
    Ingênua e irresponsavelmente, muitos fecham os olhos para o lado horrendo da Revolução Francesa. Suavizam com um discurso polido o banho de sangue que, a despeito da catarse, não redundou em reais conquistas para a plebe além da chance de extravar séculos de mágoa e de ódio (quem saiu ganhando mesmo foi a classe burguesa que, além do poder econômico, conquistou o poder político que até então lhe faltava).
    Tiranias de toda sorte devem ser combatidas. Mas isso não pode redundar na inocência de se idealizar essa controversa realidade chamada povo. Que, em momentos conturbados, ao invés de transformações e de conquistas, quer mesmo é promover seu carnaval de sangue e de ódio gozoso.
    É essa visão desencantada do ser humano (da qual, confesso, compartilho) que se faz presente no último filme do "Batman". Na história, o terrorista Bane, com a não revelada intenção de levar Gotham City à completa destruição, convoca os excluídos a uma espécie de levante. Então, vê-se a invasão de hoteis de luxo e de mansões, a criação de tribunais de exceção que, com total arbitrariedade, condenam à morte pessoas que não contam com a menor chance de defesa... há até uma cena em que Bane convoca os cidadãos a invadirem o presídio de Gotham, chamado por ele de símbolo da opressão, para libertar as "vítimas" que lá estão presas (na verdade, ele só está usando o povo para soltar os bandidos que, depois, comporão seu exército particular). Essa cena é uma clara alusão à queda da Bastilha. Mas, repito, sem a visão idealizada, romântica que tanto abunda em livros, revistas e até em filmes.
    O que me surpreendeu foi ver uma crítica tão ousada, tão polêmica, ser usada num "blockbuster", ainda que de forma ligeira. Li na época de lançamento do filme vários críticos. Luiz Carlos Merten, Rubens Ewald Filho, Christian Pertemann, Isabela Boscov... apenas um, Luiz Zanin Oricchio, do Estado de São Paulo, pareceu ter captado tal mensagem ácida explosiva. Chamou o filme de reacionário.
    Nesse ponto, discordei de Oricchio. Depois de anos trabalhando na Justiça Criminal, vendo o que um ser humano é capaz de fazer a outro, muitas vezes pelos motivos mais fúteis e mais torpes, a máxima se firmou de vez: o homem é o lobo do homem!
    A Revolução Francesa nos legou um patrimônio de ideias de valor incalculável. Mas suas conquistas sociais, frente ao que a plebe de fato precisava, foram praticamente nulas.
    Não sei de Christopher Nolan, o diretor do filme, é um elitista reacionário. Não creio. Assim como, talvez, ele tenha querido dizer, assim como, talvez, tenha sido a intenção do filme, fica a lição de que toda opressão deve ser combatida sempre. Mas, também, a de que o oprimido de hoje pode ser o opressor de amanhã.

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