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    O Verdadeiro Sentido da Viagem

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    Alexandre Garcia da Silva


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    Mensagem  Alexandre Garcia da Silva Dom Ago 12, 2012 5:13 am

    Uma das coisas mais tristes do mundo é ver aquilo que era especial banalizar-se. Nesse processo, a coisa perde seu significado e seu poder de transformar uma vida, de ser um divisor de águas na existência de alguém.
    O diagnóstico acima aplica-se a várias coisas. Por ora, quero falar de viagens.
    O que se vê hoje? O sujeito trabalha duro os onze meses do ano (às vezes, por sacanagem do patrão, mais que isso). Então, nada mais justo que um mês para gozar umas férias. E nada melhor do que uma viagem para marcá-las. Então, o que se faz? Vai-se a uma agência de viagens, adquire-se um pacote, geralmente uma semana, chega-se na cidade escolhida, conhece-se uma outra paisagem, faz-se novas amizades, aproveita-se os roteiros previamente traçados pela própria agência, tira-se umas fotos, faz-se umas filmagens, compra-se umas quinquilharias...
    Dois meses depois você não vai mais saber se aquela praia que você visitou fica em Maceió ou em Fortaleza.
    Três meses depois você não vai se lembrar de nenhuma das peculiaridades do lugar visitado. E tais peculiaridades não afetarão em nada sua visão do mundo e da vida.
    Dez meses depois você terá termidado de pagar, para o bem da economia do país, e felicidade da agência, o pacote adquirido.
    Doze meses depois, o berimbau comprado em Salvador vai pro seu destino inexorável: o lixo.
    Em suma: você curtiu. Mas não cresceu.
    Não era esse o sentido original das viagens. Nos relatos de alguns escritores, artistas e outros, muitas vezes o sujeito, prestes a completar 18 anos e a entrar na maturidade, ganhava do pai uma viagem para um outro país ou um outro continente. Havia a visão de que ele deveria conhecer, mesmo, outras paisagens, outras culturas, deparar-se com a real grandeza do mundo, saber que ele é muito, muito maior do que os limites do nosso estreito círculo familiar. Descobrir o quão relativos são os valores e a verdade. Hoje, o infeliz orgulha-se de pertencer a uma torcida de futebol. Naqueles tempos, o sujeito deveria ter a pretensão de ser um cidadão do mundo. E sua alma e sua visão deveriam ser tão grandes e generosos quanto.
    Lembra-se do que falei acima dos dez meses depois? Pois é. Como a economia precisa se movimentar, o dinheiro circular, deve-se estimular a criatura a viajar e a viajar e a viajar. No mínimo, uma vez por ano. Empresas devem ser mantidas, empregos devem ser garantidos.
    Nos outros tempos, não. As finanças estavam fora disso. Importava uma única viagem. Uma única viagem era A VIAGEM. Pois se a riqueza das nações depende do banal, a vida exige aquilo que é especial.
    Quem, hoje, me parece resgatar o sentido iniciático das viagens são os mochileiros. Pois eles, ao contrário dos que adquirem pacotes, não querem comprar quinquilharias e se embebedar atrás de algum trio elétrico. Querem, fundamentalmente, conhecer. Quem, de fato, quer conhecer? Digo conhecer no seu sentido máximo, transformador! Quantos querem isso de fato? Nesses tempos onde a futilidade é vista como algo normal, aceitável, e a inteligência tornou-se uma ofensa?
    É um dos piores sintomas dessa nossa época tão horrível. O que foi experiência hoje torna-se mercadoria. Barata. Uma mercadoria barata que muitas vezes custa caro.
    Eu, de certa forma, já fiz várias viagens. Mas nunca fiz a minha VIAGEM. Não no sentido físico, pelo menos. Consolei-me na literatura, nas HQs, nas artes, na minha silenciosa loucura.
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    Alexandre Garcia da Silva


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    Mensagem  Alexandre Garcia da Silva Dom Ago 12, 2012 5:37 am

    Mas, quando me deparei com tal triste constatação?
    Uns aninhos atrás fui convidado para o casamento de uma prima que reside em Salvador. Cidade onde fui dado à luz.
    Numa certa manhã dois dias antes do casamento, resolvi flanar pela cidade. Fui até o Pelourinho. O local, como de se esperar, estava apinhado de turistas.
    No tal bairro, num belo casarão, funciona a "Fundação Casa de Jorge Amado". É dedicada a divulgar a obra do famoso escritor. Recomendo. Como exemplo, numa das paredes, ficam expostas as capas de todas as edições de seus livros que foram traduzidos para as mais diversas línguas.
    Nesse dia, resolvi tornar ao local. E dentro, veio o triste insight.
    Lá fora, a cidade apinhada de turistas. Certo?
    Pois lá dentro, exceto a mim e a uma funcionária, havia três pessoas. Três. Apenas três pessoas. Turistas italianos sentados a uma mesa tomando um suco para se aliviarem do calor que já os deixava mais rubros que pimentão.
    E todos da terceira idade.
    Foi então que eu me dei conta de que todos aqueles turistas não tinham vindo a uma cidade com tanta riqueza histórica e cultural para, justamente, conhecer tal riqueza.
    Vieram apenas para se embebedar, dançar ao som dessa desgraça chamada "axé-music", transar, tirar fotos que eternizarão sua alegria cretina...
    Comprar um berimbau que jogarão fora daqui a um ano...
    Quantos deles conheciam a "Fundação Jorge Amado"? Quantos deles conheciam Jorge Amado?
    Quantos deles tinham a noção de que, naquelas mesmas ruas, décadas atrás, o ator e diretor Anselmo Duarte filmara cenas do único filme brasileiro que ganhou a Palma de Ouro em Cannes (na minha modesta opinião, um feito muito mais difícil e importante do que ganhar a porra do Oscar)?
    Quantos?
    É isso. A viagem-experiência morreu para muitos. Deu lugar à viagem-mercadoria. Que é a que movimenta boa parte do turismo no Nordeste. Um turismo que gera divisas mas que promove uma destruição cultural na própria cidade. Pois os que vão a Salvador só querem saber dos seus trios-elétricos e dos seus abadás. E do artesanato que, de tão banalizado, já não diz mais nada do seu povo.
    Das igrejas com incalculável valor histórico, das pessoas extraordinárias que nasceram e viveram naquele lugar, dos museus, monumentos, quantos querem saber? Fatalmente ficarão à míngua. Até desaparecerão. Já que não movimentam a economia. E não se enganem, amigos. Vejo o governo falar muito em investir em turismo em razão dos benefícios que isso promove, como por exemplo a geração de empregos diretos e indiretos. E até acredito que o faça. Mas não podemos esquecer que turismo e cultura jamais andarão de mãos dadas nesse processo.
    Lamento muito pelo que aconteceu à minha cidade. E sou pessimista. Acho que o processo é irreversível. Para se ter uma ideia, próximo ao Pelourinho funcionava o "Cine Glauber Rocha" dedicado a filmes alternativos (o nome é tirado de um grande, e alternativo, cineasta baiano). Na minha última visita pude constatar que o cinema estava fechado. Um cinema que eu jamais pude conhecer.
    Espero muito que minha querida Sampa jamais se torne uma cidade turística. Do contrário, o turismo dos imbecis estimulará a cidade a cortar a verba do Centro Cultural da Vergueiro para investir mais e mais no autódromo de Interlagos.

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